sábado, 11 de abril de 2015

E meu pai conseguiu um casamento



Meu pai, quando jovem, saiu pelo mundo na companhia de um irmão mais velho, fruto do primeiro casamento de meu avô Martinsinho. Ambos abandonaram a lida nas roças no Mata-burrinho, deixando-a por conta dos outros quase 20 irmãos e meios-irmãos. A pé, numa caminhada próxima a 250 km, saíram de Patos de Minas e foram até Conquista, na região de Uberaba, onde conseguiram emprego nas Usinas Junqueira. Ali, conheceu as primeiras letras numa escola noturna, aprendeu a dirigir um Ford 29 e, em pouco tempo, ganhou respeito dos patrões. Sempre fora um homem sério, responsável e trabalhador. Isto foi na década de 20.

Um dos capatazes da fazenda, com o passar do tempo, tornou-se um admirador de meu pai, pois via nele um futuro diferente. Pouquíssimos eram os trabalhadores que se interessavam pelos estudos e em conhecer os equipamentos e veículos utilizados na produção da usina. Convenceu meu pai, conhecido como Juca Martins, a buscar outros rumos e então o encaminhou a um amigo em Bauru, onde, a conselhos, assentou praça na Força Pública do Estado de São Paulo, como motorista de ambulância. Cargo reservado somente a quem sabia ler, escrever e que tivesse a Carta de Motorista.

De motorista, em pouco tempo foi guindado às fileiras da Força Pública. Seu espírito nato de liderança, aliada a um nível cultural um pouco maior que o da maioria, o catapultou a promoções em ritmo crescente. Vieram as Revoluções de 29, 30 e 32. Ao final desta, já era Major aos 23 anos, quando foi preso, juntamente com os 6 homens que lhe restaram de sua companhia, pela Coluna Prestes às margens do Rio Paranapanema, que divide os Estados de São Paulo e Paraná.

Preso, foi enviado para o Rio de Janeiro, sendo recolhido à Ilha das Cobras. Dada a falta de motoristas à época, ele foi transferido para o Palácio do Presidente do Estado do Rio, onde prestava seus serviços a diversas autoridades, levando-as e buscando-as no aeroporto, estações de trens e ônibus.

De certa feita transportara o Presidente de Minas Gerais, Dr. Olegário Maciel, que também era natural de Patos de Minas. Durante o trajeto, entabularam uma conversa e logo veio à tona a coincidência de suas naturalidades. Meu pai, em poucas palavras relatou sua odisseia, desde que saíra da região de Mata-burrinho até às margens do Paranapanema. Admirado e comovido com a história, Olegário Maciel ofereceu-lhe pugnar pela sua libertação e, ao mesmo tempo, oferecera uma oportunidade de emprego em Patos de Minas, caso ele quisesse retornar ao rincão natal. Meu pai não titubeou, aceitou a ajuda e o cargo de Inspetor de Escola naquela região. Propostas ajustadas e com a interferência do Presidente Olegário, meu pai foi libertado, papelada regularizada e ainda conseguiu voltar para Belo Horizonte na comitiva de Olegário Maciel.

Voltando a Patos de Minas, já de posse da nomeação assinada pelo Presidente Olegário, meu pai se apresentou na Delegacia de Ensino e foi destacado para inspetoria escolar na mesma região e adjacências onde nascera e crescera. Foi acolhido na fazenda do Sr. Manoel Coelho, fazendeiro tradicional na região do Mata-burro.

Naquela época era comum a região receber sua denominação em decorrência dos nomes dos córregos da localidade. Assim a região do Mata-burro era aquela servida pelo córrego Mata-burro, a região do Mata-burrinho, afluente do Mata-burro, era aquela servida pelo córrego Mata-burrinho. Ainda tínhamos a Canjerana, o Baú, o Sapecado, o Lajeado e assim por diante.

Professor naquela época era muito respeitado. Já o Inspetor, era quase uma autoridade. Logo, meu pai gozava de algumas regalias na casa do Manoel Coelho. Eram apenas quatro os filhos de Manoel Coelho. Dois homens, o Manoel e o João. Duas filhas, a Maria e a Erlinda. Destas, a Erlinda era mais nova, mais bonita e mais assediada pelos rapazes da região. Provavelmente o velho Manoel Coelho reservava para ela um bom casamento, pois um casamento de conveniências fazia parte do contexto social daquela época. Quanto à Maria, não tão bonita quanto à Erlinda, ela tinha um temperamento explosivo, muito nervosa e não era muito chegada a rodeios. Ou era oito ou oitenta. Sem meios termos.

Em determinado dia, Manoel Coelho foi à Lagoa Formosa, distrito de Patos de Minas, distante uns 20 km de sua fazenda, e convidou meu pai para lhe fazer companhia na viagem. Meu pai não se fez de rogado. Selou um cavalo e saiu com o velho Manoel.

Cumpridas as obrigações, retornaram. Bem ao final da tarde, já descendo pelas encostas da fazenda do Antônio Camargo, em direção ao córrego do Lajeado, Manoel Coelho parou seu cavalo, apeou e começou a enrolar um pito de fumo. Mau pai lhe acompanhou neste afazer. Do outro lado do Lajeado, já era a fazenda do velho Manoel. Após a subida da encosta, num aclive bem suave, era um chapadão, todo ainda em mata. De onde estavam, era possível avistar a lateral leste de toda fazenda, com cerca de 2.500 metros, iniciando-se as divisas, à esquerda, pelo córrego do Mata-burro e, à direita, até a localidade denominada de Volta do Toco. Do córrego do Lajeado até o final do chapadão, no sentido oeste, era uma diagonal de cerca de 800 m. Portanto, eles estavam de frente de parte da fazenda do velho Manoel, medindo cerca de 200 hectares de terra, algo em torno de 80 alqueires mineiros.

Após algumas tragadas, o velho Manoel, voltou-se para meu pai e num tom firme, disse:

- Juca, se você acertar quantos alqueires das minhas terras estamos vendo daqui, eu lhe dou a Maria em casamento.

Meu pai foi pego de surpresa e talvez não fosse bem essa a intenção dele em relação às filhas do velho Manoel. Matreiramente e buscando esquivar-se da armadilha, não vacilou:

- Sô Manoel, eu cálculo que estamos de frente a uns 40 alqueires de terra.

- Na mosca, Juca, pode marcar a data do casamento.

Patos de Minas, abril de 2015


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