Jurandir, meu
irmão mais velho, na época de sua juventude, lá pelos idos de 50 e 60, era
metido a galã. Seu cavalo, preto e fogoso, tinha suas crinas, rabo e cascos sempre
aparados e bem cuidados. A tralha era tratada com esmero. Ninguém, mas, ninguém
mesmo, podia usar esse patrimônio pessoal e de valor inestimável. Suas roupas
eram impecáveis. Calças de linho, muitas delas de cor branca, e camisas tinham
que estar engomadas ao extremo. Passava-se roupa com ferro de brasa e no caso
de algum resíduo de cinza ficar nas calças ou camisas, era motivo para não
vesti-las. Os chapéus, vários e escolhidos para o uso de acordo com a
solenidade, eram mantidos nas suas caixas originais sobre um guarda-roupa. Eram
também intocáveis. Mantinha três pares de botas, de cano longo ou médio, de
tonalidades de cores diferentes para uma perfeita combinação com o chapéu. Cabelos,
cheios e muito pretos, eram mantidos alinhados com Brilhantina Glostora. Bigode
espesso, enrolado nas pontas, sempre aparado. Nunca saia a passeio sem que a
barba recebesse um tratamento de navalha e colônia.
Naquela
época na área rural, até que um homem pudesse dizer que estava namorando uma
moça, e tinha que ser realmente moça, ou seja, virgem, ele teria que cumprir e
seguir à risca um ritual quase que manualizado. O primeiro passo, que seria a
demonstração de interesse, quase sempre era conduzido por uma amiga em comum ou
por um parente. Os primeiros encontros, quando se iniciava a fase do flerte, na
maioria das vezes ocorriam nas festas religiosas. Encontravam-se, trocavam
algumas palavras e ficavam andando pra lá e pra cá, sem muito assunto, num
silêncio quase absoluto. Se encontrasse algum banco desocupado, ficavam ali por
certo tempo e, depois, voltavam ao vai-e-vem. Ficar a dois, lado a lado,
sentados ou em pé, era chamado de ficar, andar ou estar de bonde ou "dibonde".
Após algum
tempo nesta situação de aproximação, embora com poucas chances de um diálogo
mais aprofundado e quando o casal, realmente, chegara à conclusão de que queriam de fato o namoro, enfim combinavam
uma ida do namorado à casa dos pais para pedir a autorização para o namoro. Se
autorizado, então eles já podiam se encontrar com regularidade, quase sempre
acompanhados de um irmão ou irmã mais novos. Após algum tempo se davam as mãos
e, em casos furtuitos e bem planejados, era possível até mesmo roubar um beijo,
tipo selinho. Sempre havia os mais afoitos e mais corajosos que burlavam estas
regras, cujos resultados, quase sempre, eram um casamento forçado, pois naquele
tempo não havia lugar para a moça desvirginada.
O Jurandir,
certa vez, estava passando por esta fase. Ele se aprontou para ir pedir a mão
da Branca do Sebastião Emiliano em namoro. Esmerou-se todo. Cavalo e arreata
estavam brilhando. Calça branca de linho, camisa de seda. Bota lustrada. Barba
e bigode aparados. Chapéu Cury de feltro, comprado especificamente para aquela
ocasião. Para não sujar internamente o chapéu com brilhantina, ele aparou
cuidadosamente um pedaço de papel, tipo cartolina, e forrou o fundo ou o coco
do chapéu.
Chegando à
casa do Sebastião Emiliano, foi recebido pela Branca. A família se postou na
sala. Educadamente, ao entrar, tirou o chapéu e cumprimentou um a um, a começar
pelos futuros sogros e depois mais uns dois ou três irmãos e uma tia ali
presentes. À exceção dos futuros sogros, todos apresentavam um sorriso maroto e
tinham os olhos fixos no chão. Jurandir entendeu que aquilo talvez fosse uma
praxe da família, mas estava achando que havia alguma coisa estranha, pois, até
mesmo a própria Branca estava se comportando de forma estranha. Bastante
vermelha e também olhando fixamente para baixo.
Terminados os
cumprimentos, o Tião Emiliano convidou o Jurandir para se assentar e aproveitou
para perguntar:
- Jurandir, agora é moda andar com um papel
na cabeça?
Aí a plateia
não resistiu mais. Todos caíram numa gargalhada uníssona. O forro de proteção do
chapéu, contra a brilhantina, grudara na cabeça do pretendente e ele, talvez
movido por intensa expectativa e ansiedade, não percebera o adereço extra.
Apressadamente, retirou o forro da cabeça, levantou-se, despediu-se de todos
com um “até logo” e nunca mais foi visto de bonde com a Branca.
Patos de Minas, abril de 2015
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