sábado, 11 de abril de 2015

Os Pensamentos


Coincidência?  Sei lá!  Mas, inexplicavelmente, aconteceu. A divagação tinha direção e sentido certos. Não era coisa impensada. Pelo contrário, já amadurecia há algum tempo. Os pensamentos são como uma fecundação. Aparecem como se do nada viessem. Minúsculos no início. Crescem, quase sempre de forma imperceptível, e criam corpo como que repentinamente. Esparsos e distanciados, aos poucos, se aglomeram. Se bons, crisalidam-se. Encontram lugar nas asas da imaginação e voam. Transubstanciam-se. Motivam outros. Tornam uma fonte inesgotável de filhos. Desses vários que tive, um teve história.

       Não me lembro quando. Num dia, talvez sem querer, esbarrou na porta. Abri. Deixei que entrasse. De jeito manso. Muito educado. Ocupou um lugar qualquer e se fez despercebido. Não incomodou. Não falava, fez-se, então, excelente companhia. Em verdade, nem notava sua presença. Mas estava sempre lá. Sorriso matreiro, muito familiar. Isto mesmo, familiar.  Talvez um dia eu já o possuira e se perdera nas brumas do subconsciente.

        Era diferente de todos que conhecera. Era um pensamento sorridente. Sim, sempre que eu me virava, lá estava ele sorrindo. Enigmático. Nunca consegui traduzir o pensamento daquele pensamento. Nunca falou comigo. Apenas aquele sorriso maroto.

         Isto começou me incomodar. Passei a prestar-lhe mais atenção. Foi o bastante, caí na armadilha. Tornei-me seu escravo. Não mais me libertava. Onde eu estivesse, volta e meia, lá estava ele. Calado, mas sempre sorridente. Foram dias, semanas, meses. Pensamento obstinado!

         Certo dia ele falou. Apenas me cumprimentou. Foi como a primeira palavra de um filho. Não cabia em mim de satisfação. Naquele justo momento estava pensando nele. Estávamos sintonizados. Será? Não sei, achei que sim. Calma, José, isto é perigoso. Pensamento que fala, deixa de ser pensamento, já é uma idéia. Tenho medo de idéias e de quem as tem. Evito ambos, não gosto de riscos. Admito apenas os calculados.

       Apago este pensamento? Não! Ele não merece. É um pensamento de causar inveja. Vender, talvez? Também não seria uma boa opção. Afinal, quem iria querer pensamentos de outrem! E se eu gratuitamente o oferecesse? Também não! Era tirar o direito de alguém pensar. E agora, José?
  

Vou a porta escancarar
Mostrar-lhe a vastidão do mundo
As flores e rosas que vão lhe abrigar
Os corações que dele necessitam.

Vou a porta escancarar
Mostrar-lhe quantos dele carecem
Mentes que buscam crisálidas
Almas que perseguem o sorriso.

Vou a porta escancarar
Mostra-lhe que meu coração é pequeno
Que seu sorriso me machuca
Que seu silêncio é afiado.

Vou a porta escancarar
Deixá-lo sair mansamente
Assim como entrou
Deixando-me só com meus pensamentos.



Martins

30.10.05

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