O
Lázaro morrera. Tinha apenas uns 35 anos. Chagásico, teve um ataque fulminante.
Ele caiu a cerca de 200 metros da sede da fazenda de meu pai. Deixava um pedaço
pequeno de terras, adquirido com muito esforço e sacrifício, e uma família com
6 filhos. Os mais velhos, Antônio, Juquinha e Lazinho já tinham idade
suficiente para ganhar o seu próprio sustento. A Aparecida, após ficar um tempo
com sua mãe cuidando dos irmãos menores, acabou indo para a zona de meretrício.
A
parte da herança que tocou para cada um dos filhos era muito pequena, pois a
viúva tinha direito à metade. Assim mesmo, tentaram dar continuidade às
atividades, plantando roça em todas as áreas onde fosse possível. Foram
dividindo as dores e os sofrimentos e o pouco que lhes sobrava das colheitas.
Lazinho,
com o passar do tempo, resolveu tomar novos rumos, quebrar paradigmas. Procurou
um vizinho e negociou com ele a parte que lhe tocara. Permutou seu quinhão de terra
por um cavalo e toda sua tralha, tal qual, a sela completa, rédeas, freio,
cabresto e, até mesmo, as esporas e o restante do preço combinado recebeu em
dinheiro vivo. Não demorou muito e ele gastou este dinheiro nas vendas da
região com cachaça e em jogo de sinuca.
Em
pouco tempo Lazinho descobriu que ter um cavalo que servia somente para
passeios não era um bom negócio. Conseguiu, então, trocá-lo por uma égua e uma
capinadeira ou carpideira de tração animal. A diferença de preço, mais uma vez,
recebeu em dinheiro. Novamente, destinou este troco à cachaça e à sinuca.
A
égua e a capinadeira foram colocadas no serviço duro e pesado nas roças de seus
irmãos. Com poucos dias de trabalho a égua amuou. Nem andar ela conseguia. Uma
estafa total. Lazinho correu atrás e conseguiu outra permuta. Trocou a égua e a
capinadeira por um revolver Rossi 38, acompanhado de uma caixa de bala. Ainda
conseguiu uma diferença em dinheiro, que teve o mesmo destino das demais:
cachaça e sinuca.
Sem
ferramenta de trabalho e sem dinheiro, e bastante aborrecido, Lazinho gastou a
caixa de bala atirando em porteiras, cruzes à beira das estradas, em lagartos e
passarinhos. Procurou um vizinho e trocou o Rossi por uma garrucha 22, mais 12
balas e uma pequena parte em dinheiro. O dinheiro em menos de uma semana foi
consumido, mais uma vez, em cachaça e sinuca.
Numa
tarde de domingo, na venda do Tiãozinho Fonseca, bebeu tudo que achava que tinha
direito. Na hora de pagar a dívida se deu conta que não tinha um centavo
sequer. Tentou negociar a garrucha com os presentes, mas ninguém se interessou
pela arma. Tiãozinho, para não ficar no prejuízo, então propôs trocar a
garrucha pela dívida, dando-lhe de troco uma lata de bolachas Maria.
A
proposta foi prontamente aceita pelo Lazinho. Entregou a garrucha, colocou a
lata de bolachas nos ombros e tomou o destino de casa. Cambaleando e tropeçando
aqui e ali, desceu a ladeira em direção ao córrego Mata-burro. A passagem do
córrego era feita numa pinguela, cujo corrimão era de bambu. Já estando no meio
da pinguela, com uma mão segurando a lata no ombro e com a outra se apoiando no
corrimão, cambaleou. Perdeu o equilíbrio e o corrimão não suportou o peso e se
partiu. A queda foi grande. Eram mais de 3 metros de altura. Na queda, a lata
de bolachas foi lançada contra umas toras de pinguelas antigas e quebradas no
leito do córrego. Com o impacto, a tampa da lata não resistiu. Na medida que a
lata ia afundando, as bolachas iam brotando no leito do córrego. Lazinho,
estatelado sobre as toras, sem nada poder fazer, apenas ficou olhando o que
restou de sua herança, que como um passe de mágica, nascia do fundo das águas e
tomando o destino da corrente límpida, tranquila e silenciosa das águas do
Mata-burro.
Patos de Minas, abril de 2015.
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