sábado, 5 de junho de 2010

Veni, Vidi, Vinci

A exemplo de Júlio César, em mensagem enviada ao Senado Romano, ouso, de forma altaneira, repetir: “veni, vidi, vinci!”. A roça eu a deixei aos 8 anos. Aos 55 retornei.

Lá na roça fui alfabetizado. Meu pai, o velho Juca, foi o meu mestre. Amante dos livros, deixou-me esta herança. Auxiliado pela palmatória, com ele o analfabetismo não tinha nenhuma chance. Para ele, forjado nas fileiras da Força Pública do Estado de São Paulo, a cidadania era imprescindível. Na escola, segundo ele, era primordial aprender Língua Pátria, Aritmética, História e Geografia. Saber falar, saber contar, conhecer a própria história e se localizar. Era um seguidor implacável das regras e de mandamentos. Não admitia erros e desvios. Tudo tinha que ser perfeito e planejado. Acho que descobriu a Qualidade Total antes dos nipônicos. Fez de seus conhecimentos e da lisura de seus procedimentos o seu marketing pessoal. Seu nome era seu maior bem. Minha mãe foi a coadjuvante perfeita na formação do caráter dos filhos. Exigente e dura. Tenaz e resistente. Embora diferentes no ser, eram idênticos no exigir.

Com 8 anos fui para a cidade. Queria ser doutor, mas aos 11 fui parar num Seminário. Da Admissão ao Científico. Aprendi o viver em comunidade. Ser disciplinado e responsável. Apanhei gosto pelos estudos. Em nossa primeira aula de grego, Mário Bonotti, antes mesmo dos cumprimentos formais, escreveu na lousa, “Paidéia trofé psiché estin” – “ A educação é o alimento da alma”. Fiz desta frase um princípio de vida.

Deixei o Seminário. Voltei para o mundo. Para o velho Juca, 16 anos eram maioridade. Logo tive que trabalhar para sobreviver. Primeiro, vendedor em domicílio de ebulidor elétrico, depois cobrador da Sociedade de São Vicente de Paula, cobrador da Farmácia Canaã, balconista da Drogamil, professor de História, professor de Química. Nas horas vagas era jogador do Tupy ou Mamoré. Fui bancando, assim, a vida e Faculdade. Tranquei matrícula e fui para a UNB. Em Brasília fui cronometrista de propaganda na TV e depois motorista de madame. Batia uma bola no CEUB. Ali me fizeram proposta para ir para o Clube Rio Negro de Manaus. Mas a fome e a falta de adaptação interromperam meu curso de Química. Voltei pra terrinha, terminei minha graduação e fui ser professor de Química e Físico-Química. Especializei-me. Ganhei fama. Ganhei até uma aluna. Com ela foram três filhos maravilhosos. Nayara é turismóloga; Thiago já é engenheiro mecânico, especializado em aviação; Camila é Mestra em Zootecnia.

Deixei a docência e transformei-me em bancário. Escriturário, caixa, gerente, inspetor, auditor, superintendente. Depois de 22 anos de Banco fui para o Congresso. Trabalhei com Arthur Virgílio, Salomão Cruz e Confúcio Moura. Informalmente assessorava Sérgio Carvalho, Luís Fernando, Alceste Almeida, Carlos Batata, Mozarildo e outros. Em 2005 vim com o Confúcio para Ariquemes. Em 2006 cumpri meu tempo para aposentadoria.

Então retornei à roça. Viver no campo e voltar a sentir o lento caminhar das coisas. Aqui impera a perfeição. Cada coisa tem o seu tempo e seu ritmo. Aqui prevalece o inexorável. Aqui tudo é justo. Privilégios não existem. O que tem que ser, será. É aqui que quero curtir o passado. Relembrar as batalhas. As que venci e as que perdi. Relembrar por relembrar. Voltar a ler “De Bello Gálico”, Platão e Ovídio. Manuel Bandeira e Carlos Drumond, Machado e Rui. Aqui quero revitalizar o meu eu. Dar-lhe um trato. Aqui ainda não é minha Pasárgada. “O que não tenho e desejo, é que melhor me enriquece”, dizia Bandeira. Sim, talvez seja isto. Somar ao que tive e ao que realizei o que ainda não tenho e desejo. Assim, não serei apenas rico, serei milionário.

Aqui ficarei apenas ao meu dispor. Eu serei minha prioridade. Como vou estar só, este meu egoísmo não fará mal a ninguém. Aqui sentirei, com alma de menino, o sol, o vento, a chuva, a noite e seu luar. Verei as plantas crescerem e os bichos nascerem como uma veneração à vida. Não mais me submeterei às insignificâncias da vida e às formalidades pedantes.

De certa feita, num réquiem à ignorância, despachei um documento a dois colegas sob à obtusa forma: “Submeto à apreciação das eminentes e impolutas inteligências, sob os auspícios de uma enorme carência de amparo e de auxílio, decorrentes da convicção plena e absoluta de confessa e de reconhecida incapacidade, até mesmo vernacular explanatória, sobre temas que, notoriamente, não fazem parte do meu feudo cognitivo...” Meu Deus, que horror! Viva a simplicidade!

Convicto que “Vim, Vi e Venci”, recolho-me. Recolho-me à simplicidade. Não fui nenhum Aníbal, apenas um roceiro metido à besta que saiu pelo mundo, sem moinhos a combater e sem a companhia de um Sancho Pança. Nem doutor e nem padre, mas feliz com as conquistas pessoais.


Martins
Ariquemes, 01/01/07

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